
A Receita Federal do Brasil anunciou o fechamento do prazo de entrega das declarações do Imposto de Renda Pessoa Física 2024 (ano-base 2023) com um número recorde: 42.421.153 declarações foram recebidas até as 23h59 do dia 31 de maio. Isso representa 102,9% do total entregue em 2023, superando a estimativa inicial de 43 milhões.
Apesar do número positivo, a Receita reforça que quem não entregou dentro do prazo está sujeito a multa por atraso, cujo valor mínimo é de R$ 165,74, podendo chegar a até 20% do imposto devido. A análise e cruzamento de dados agora entram em cena, com contribuintes sujeitos à malha fina. Já os que declararam corretamente devem acompanhar o cronograma de restituições, cuja liberação segue até setembro, em cinco lotes.
🔍 Um recorde que diz muito — e também oculta muito
À primeira vista, o número impressiona. Mais de 42 milhões de brasileiros declararam sua renda, mostrando um aparente amadurecimento fiscal da população. Mas será que é só isso?
Vamos por partes.
1. Mais declarações não significa mais justiça tributária
O crescimento no número de declarações pode ser visto como um reflexo positivo de maior formalização das relações de trabalho e do acesso digital facilitado, como a declaração pré-preenchida e o uso do aplicativo da Receita.
Por outro lado, também revela um ponto pouco abordado: o aumento do número de pessoas obrigadas a declarar, não porque enriqueceram, mas porque a tabela do IR ficou defasada por quase uma década. Em outras palavras, a inflação aumentou, os salários também, mas a tabela permaneceu praticamente congelada por muito tempo. O resultado? Pessoas com renda cada vez mais apertada entraram na base de contribuintes obrigados a declarar — muitas vezes sem nem dever imposto, mas expostas à burocracia e ao risco de malha fina.
2. A malha fina como instrumento de correção ou punição?
A Receita informa que, com o fechamento do prazo, começará o cruzamento de dados para identificar inconsistências. Esse processo é fundamental, claro, para combater fraudes e garantir a arrecadação correta. No entanto, há um ponto sensível: quem mais erra na declaração costuma ser quem menos entende de contabilidade — e quase sempre são justamente os contribuintes com menor renda, que não contratam contadores e se guiam por vídeos ou tutoriais.
Ou seja, a malha fina acaba penalizando mais por ignorância do que por má-fé, e esse é um problema que a Receita deveria enfrentar com mais educação fiscal e menos rigidez automatizada.
3. A restituição virou alívio, não devolução
Muita gente comemora a restituição como se fosse uma espécie de “bônus”, mas isso é um erro conceitual. Restituição significa apenas que o Estado recebeu mais do que devia e agora está te devolvendo com juros muito aquém da inflação.
Em uma comparação simplista, é como se você adiantasse dinheiro para o governo ao longo do ano, sem juros reais, e só recebesse parte dele de volta meses depois. Isso deveria gerar debate: por que ainda insistimos em um sistema de recolhimento mensal tão impreciso, que frequentemente resulta em pagamento a maior?
💬 Conclusão: O que o IRPF 2024 nos ensina?
O recorde de declarações não deve ser visto apenas como uma vitória da arrecadação ou da cidadania fiscal. Ele escancara contradições do nosso modelo tributário:
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A tabela defasada obriga mais gente a declarar;
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A malha fina atinge mais os desinformados do que os sonegadores sofisticados;
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A restituição virou símbolo de alívio, não de eficiência.
Enquanto o sistema continuar assim, o contribuinte comum — o assalariado, o microempreendedor, o autônomo — continuará sendo o elo mais fraco da engrenagem.
Talvez seja hora de pensarmos em um modelo mais justo, mais transparente e mais compreensível para todos.
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